quarta-feira, 30 de junho de 2010

Naquele dia entrei em sua casa com o propósito de acertar as contas e dar por encerrado aquele curso de merda. Mas antes de partir faria um pronunciamento em língua portuguesa, num português brasileiro e muito chulo, com palavras oxítonas terminadas em ão, e com nomes de árvores indígenas e pratos africanos que a apavorassem, uma linguagem que reduzisse seu húngaro a zero. Deixei de fazê-lo devido ao visível arrependimento de Kriska, que só não me pediu perdão porque inexiste tal palavra em húngaro, ou melhor, existe mas ela se abstém de usá-la, por considerar um galicismo. Como forma coloquial de se expiar uma culpa, existe a expressão magiar végtelenül büntess meg, isto é, castiga-me infinitamente, numa tradução imperfeita. Foi o que ela me disse, sabendo que eu compreenderia não as palavras, mas o sincero sentimento posto nelas. Afagou-me o rosto com a ponta dos dedos, fechou os olhos e sussurrou végtelenül büntess meg, mantendo em seguida os lábios abertos, e no meu entendimento ela pedia para eu lhe beijar a boca.


- Budapeste, Chico Buarque

terça-feira, 29 de junho de 2010

Come Together, Cia Mulungo

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O que será (À flor da pele), Chico e Milton Nascimento

domingo, 20 de junho de 2010

esta vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem


- Paulo Leminski
Para fazer uma teia num minuto
a aranha cobra pouco
apenas um mosquito


- Paulo Leminski
      sossegue coração
  ainda não é agora
     a confusão prossegue
  sonhos afora
      calma calma
  logo mais a gente goza
     perto do osso
  a carne é mais gostosa  

                           - Paulo Leminski

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


- Carlos Drummond de Andrade